quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

não sei se é sonho se realidade

Ontem encontrei uma velha amiga, um pouco como o paul daquela vez, mas sem sexo antigo para romancear uma canção. Dizia, encontrei-a acastanhada de um Outono prolongado, numa forma muito idêntica, muito de acordo com a memória. Trauteia umas coisas, um ou outro gesto permanece na vontade de fazer parte de um mundo sempre a mexer. Mas não há nada de livre nisso. E fiquei triste.
Apanhei-a com olhos clementes, de bem com os dias, com vitórias mais ou menos expressivas sobre a vergonha de não acabar como se esperava há quinze anos atrás. Como um careca orgulhoso de uma bola cristalina e actual, ou de um banho curto e sem champô.
Nunca acreditei muito nos olhos dos outros. Gosto de bocas porque lhes é dada menos atenção e a gente às vezes encontra a verdade num dos dois cantos, ou no dente molhado que sobressai e espreme a carne à procura de uma dor controlada.
Mas ontem quis conhecer aqueles olhos fixados na trivialidade. Na minha trivialidade, na de quem me acompanhava, na trivialidade do jogo acelerado da televisão que, por pouco, não nos deixava espaço para o diálogo moribundo que insistia em consumar-se.
E nada. Fraternidade mascarada de minutos desconfortáveis. Truques antigos e ritmados para que a lógica prevalecesse.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

periquita#2

O novo mundo numa conversa privada. À frente, a figueira ocorre obscura e silvestre, como um ninho de cobras cruzadas pelos figos metamorfos.
Maltratamos cigarros (cigarro após cigarro) contra o chão batido da poeira encravada na noite. Repousada. Ao lado uma conversa privada, já disse.
Vinho barato, catapulta de pensamento e das ideias sinceras. Periquita a seguir. Vinho barato para que se destrua o caminho numa cerimónia tão fúnebre como confortável. Nem figueira, nem oliveira. Parque de estacionamento.

terça-feira, 3 de março de 2009

não gosto de títulos mas estou obrigado à simetria 4

Nascido primeiro para o cavalinho de pau tracejado a ouro, para a opulência descansada sob as tardes de sol. Para a poligamia adolescente, para a crónica do desamor ou para o canto boémio arrotado num golpe de vinho barato.
Da imaginação folgada à inutilidade, do talento para derrubar obstáculos invisíveis à incapacidade de os conhecer e fugir em frente.
A expressão; escrever tudo e para nada, sonhar todos os dias de mãos secas, agarradas à cintura e escalavradas de futuros pequenos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

the boxer

Não é uma questão de orgulho, sabes? Os momentos a sério são irrepetíveis. E eu nunca fujo à oportunidade.
O resto é a minha tragicomédia de casa ao trabalho de casa ao trabalho até ao fim do dia, o meu copo rachado e tonto, sempre cheio demais, e que se repete como aquele caminho inextinguível que te dizia, casa trabalho casa trabalho, sempre só. Costumas estar sempre só? Alguma vez foste às putas porque sim e porque nada, como naquela música?
Também não são momentos esses bocados sem nome, sem vergonha, sem braços e pernas. Não é uma questão de orgulho.
É por isso que te digo: era capaz de fazer aquilo. Vejo-me naquele dia, daquela vez, a deixar para trás (tu dirias a deixar tudo para trás) um desenho infantil de uma repetição inútil de coisas predestinadas.
Repetição dolorosa da realidade, a minha tragicomédia. A mim que Sou! mas que não sou, nem nunca serei senão grato por cada vez em que se partilham comigo num copo irmão como eu. Não é uma questão de orgulho, foda-se.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

quem vê uma vez não quer voltar a adormecer

Procurava o último passo logo a seguir ao primeiro café da manhã. Uma imagem perfeita, reconhecida pelo azul mecânico de uns olhos que se podem apagar em segundos. Ansiava uma imagem significativa que descrevesse uma existência inteira, ou o belo controlado incapaz de fazer adivinhar o desmaio. Não queria o cinquenta amarelo galopado pelos porcos da cofidis, os mealheiros permanentes da dívida. Menos ainda o próprio reflexo apavorado num vidro qualquer.
Esperava a última vez de manhã à noite. Algures entre os solavancos inevitáveis de uma Lisboa apertada. Sem imberbes de mochila, sem o ruído anónimo dos taxistas por favor. Sem a companhia do amante em eterno horror.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

ao

Pegar na vontade e chegar à próxima estação. Sem gentileza. Não se corre mundo a olhar o vapor dos homens numa janela turva. A seguir é.
Chorar pouco a ficção do passado, usar uma vassoura e vestir a camisola das pinturas e não voltar a ouvir a melodia hesitante do cavaquinho, como quando foi a banda sonora de uma vida branda. A seguir é.
Ou aprender a tocar baixo, porque às vezes a seguir não é.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

o herói e o poltergeist

Fomos 16. Matei um por um até me restar um suspiro violento.
Escondo uma lâmina no tornozelo desde que parti. Já me serviu para amanhar peixe, para sangrar bons homens e desactivar o escorbuto nos mais fracos. Degolei, de uma só vez, 15 portugueses. Desossei o mais tenrinho para a ceia, quando céu e mar partilham o caos num prato sem horizonte. Minto à solidão. À minha volta giram borboletas de bem e de mal que despejam os mortos na água. Sem esforço, os corpos afundam-se à procura de um lugar descansado para habitar, tal como eu. Um batel sem costa onde
medito.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

always look on the bright side of death

E virou-se a primeira página do dia. A cuspo e a ferro. A primeira página de um caderno novo desimpedido de caracteres desenhados pela mão perfeita de um anjo.
Já não era preciso subir as escadas, nem procurar aqueles minutos pequenos na cozinha entre uma torrada e uma conversa circunstancial sobre o estado do mundo, sobre a poesia das araras secas que deslumbram talento aos mais antigos.
Já nada nos separava, nem nos separará, porque juntos acolhemos arrebatados a morte inteira de todos os sentidos num espaço de tempo universal que é absoluto para quem acredita na ciência. E ambos acreditamos, depende dos dias. Como Santo Agostinho.
Escolhemos, mais depressa ou mais devagar, agir contra o desespero. Ninguém ficou sentado à espera de um feitiço imutável. Nenhum de nós foi a serpente estúpida que não pára de seguir a flauta, muito menos a baleia que, entre tantas, marra no desperdício de uma costa amachucada.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

anestesia rima com hipocrisia

foda-se o édipo-rei e o ptolomeu
a jocasta, a antígona, o sófocles
e o orpheu

foda-se o alemão, o raffaello
a escola de atenas
fodam-se todos os mecenas

o futuro e marinetti;
o maserati, o materazzi
e a irmã dele
de alexandria à toscânia
milão
fodam-se todos todos
foda-se a inspiração
e a lipoaspiração e

fodam-se as rimas em "eu"
e fodam-se as rimas em "ão"

o sol, a lua, as rosas
meu senhor
são rosas
foda-se tudo até ao japão

ao longe arde o braço de uma criança em anestesia

sábado, 3 de janeiro de 2009

janeiro

Jurara não voltar ali, ao castelo lápide, incolor como o passado dos cães. Uma história sem a piedade das cores. Visitou aquele túmulo como quem abre uma gaveta atormentada e lá resolveu gastar umas horas inexplicáveis. Um culto como outro qualquer. A religião dos ateus, tão previsível, ou um regresso à necessidade. Queria a fúria e uma alma, vozes interiores contraditórias e boas recordações. Queria recriar um mundo quente e um cheiro que não desaparece. Metade de um tronco seria uma poltrona de conforto, os pássaros seriam os trovadores de uma manhã suave. Ele, o magnífico errante com os melhores pecados, seria anti-herói como as mulheres gostam. Despertaria a cura, a recuperação, o regresso apoteótico à normalidade dos homens, sem nunca perder a rebeldia que trazia nos dedos.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

não gosto de títulos mas estou obrigado à simetria 3

1. A minha criatividade é um general japonês no fim da Segunda Guerra; desfez-se de vísceras desonradas. Morreu com o meu imaginário. Suicidou-se porque já não havia batalhas para suportar até ao último homem.

2. Escolho 23 canções de liberdade e sinto que as mereço. Estou repentinamente dentro de mim, acelerado, a rugir nas multidões desfalcadas de ser. Abro a boca a outra epopeia merdosa que joga às escondidas com as minhas lágrimas.

3. Vivo numa trincheira desabitada à espera de um inimigo a cores, um moribundo a quem possa tirar a vida e, muito mais do que isso, a vitória. Carrego a nossa bandeira num mundo livre, depois de ter derrubado regimes, tolhido prateleiras inteiras de manuais antigos, depois de ter varrido uma cultura despótica que nos tornava a todos piores. Carrego a nossa bandeira onde vem desenhado o Deus na maior das apologias.

4. Descanso depois do jantar entre um cohen e um whisky. Chamo a redenção e com ela aqueles que me ouvem. Conto-lhes tudo numa parábola de vinténs sossegados, às vezes nauseados com o ritmo. Conto sacrifícios, necessidades, abotoo desculpas e faço de mim um homem.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

tens razão

Lembro-me do dia em que te vi surgir e te repeti sem me cansar.

Tanto me fazia se já tinhas sido feita e refeita vezes sem conta, ou se não eras grande coisa há dez ou doze anos atrás.

Não era a ti que queria; serviste-me de cano, de circuito, de tomada daqueles quatro ou cinco anos tão breves como um salto de baleia inesperada mesmo ali. Cria de baleia inesperada.

Desafio-te a ti e a todos esses momentos de força que nos encontram agora amarrados a uma nova escuridão.

Esgano o Janeiro que aí vem. Já.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

adultério

Nem quero adiar o amor para outro século,
nem ter no bolso a alma de um poeta jovem
a quem tiraram a madrugada
.

guns can´t kill what soldiers can´t see

A arte serve os mais fortes.

Algures entre o choro egoísta e a inveja de não se querer mais nada para o próprio corpo.

Enfurece-me a dose diária da arte que não acaba e que está em todo o lado.

Ou porque não sou capaz de tanto, ou porque não é correcto que tanto e tão bom nos acomode só porque é semelhante ao que sentimos.

E é incorrecto não recuperar o tempo que nos faz perder.

É incorrecto não a dirigir à denúncia.

É incorrecto sofrer a morte sucessiva e antecipadamente. Sucessivamente e sucessivamente.

Dirão: denúncia? Denúncia do quê, não há nada senão a angústia em que acordo, que pouso de café em café até que chegue a noite e a insónia rebente de morte. Não há nada senão o nada que me acompanha e que me dói.

Também eu preciso de despejar gritos. Também quero contar as minhas dores sem as óbvias legendas de museu.

Mas não acho correcto.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

não gosto de títulos mas estou obrigado à simetria 2

Estão ambas à minha espera mesmo que não saibam
Querem-me vivo desperto mas só quando morro a brincar
Combatem ombro a ombro pelo meu aperto
Pelos acordes ondulados que não agradam
Mas finjo-me morto.
E na minha aldeia plácida só cabe o que eu quero

não gosto de títulos mas estou obrigado à simetria 1

Procuro um ecrã de conforto para me ver todos os dias como um peito para chorar a verdade.

Morra a Escrita Pim!

Começo com a banalidade que pretendo para as minhas palavras. E com excesso de cafeína.


Um hábito a manter: banalidade + cafeína.


Estou farto de escritores, muito mais de quase escritores anónimos.


Mais um menos um...